Aqui
e assim viveu
Fortunatella.
.
Morre o pai. A mãe se casa novamente. O Novo Mundo está pronto para receber a jovem mãe recém-casada. Duplamente órfã Fortunatella e
apenas uma
menina
calabresa.
Um dos avós, lavrador e forte como um carvalho. O outro, astrônomo e sábio como um céu estrelado. A única avó, entre uma história e
outra, tece sonhos, transformando fios em rústicos tecidos e delicadas mantas. .
Aqui e assim vai sendo tecida a infância de Fortunatella.
São Paulo, Brasil, início do século XX. Bondes, iluminação a gás, ruas largas e arborizadas. De quantos olhos a menina calabresa precisa para captar a modernidade da cidade industrial?
Você acredita que só se nasce uma vez na vida?
Fortunatella se parece com cada um de nós no que temos de comum; os ascendentes imigrantes.
Você já tentou descobrir quantos fios teceram sua vida?
Dona Feia, de Anderson Ribeiro de Oliveira
Esta história tem origem na distante Idade Média, no tempo do amor cortês, dos cantares de amor, dos cantares de amigo e, principalmente, dos cantares de escárnio e de maldizer.
O mundo roda e anda. Hoje se canta também. Mudaram as músicas, as melodias, as musas. Esta e a dinâmica do mundo. Tudo se transforma, muda, transmuda. As palavras ganham outras significações e aplicações. Mas a amor continua a mesmo, a inveja, e a escárnio também. Você pode mudar uma situação trocando as letras de uma palavra. O que era ator, pode virar tora, o que era doce, vira cedo, amor pode ser amora, e se você acrescentar a letra N, a palavra vira namora. E a palavra feia pode virar a quê? Mas um amor de amora e uma delícia, concordam?
Nesta história de Anderson, hei também uma troca de palavras, uma mudança de atitude, arrependimento, alegrias.
A história e um encantamento. Tudo flui poeticamente, claramente. E um sonho bom, colorido, que nos faz flutuar. O autor não se esquece da pluralidade e da claridade da palavra.
Há um enredo, um ir e vir de ações, personagens. Há o jogo do tempo e do espaço; imagens inusitadas, frases invertidas que movem nossos olhos e a sensibilidade.
Dona Feia tem suas lembranças na Idade Media. Era uma velha e louca. Mas a Dona Feia do Anderson não tem nada de velha ou louca.
Esta
é uma história da transformação, da mutação, da transfiguração. Com o tempo, a palavra FEIA muda
de grafia, a
situação da Dona Feia também muda. Os tempos mudam e a fila anda.
Dona Feia, de feiura exemplar, se vê repudiada pelo lugarejo.
E motivo de zombaria, de troça, de
piada, de escárnio e de maldizer; não há compaixão, não há amor nem perdão. Há
repúdio e maldizer. Todos ignoram suas manhas, artimanhas e artes. Torna-se
preciso alguém de fora para descobrir que, naquele lugarejo perdido, existe uma flor de beleza, uma artista nata,
uma artesã de mil quilates. Dona Feia tinha mãos de rainha, suas mãos
trabalhavam o algodão e a palha de milho como quem constroi catedrais medievais.
Ela criava bonecas de palha com delicados vestidos bordados, mas todos ignoravam
o trabalho de Dona Feia. Foi preciso um mascate descobrir aquele tesouro a céu
aberto. Levou as bonecas de Dona Feia e as mostrou ao mundo. O mundo se curvou
diante da delicadeza das bonecas e da magia da artesã.
O final surpreendente, inusitado, revela uma descoberta que nos faz felizes e
mais feliz ainda a nossa Dona Feia. As cantigas de escárnio e maldizer se
transformam em cantigas de amor. Trata-se de um livro para ler e reler, livro
que ficará na memória, nos corações e nas mentes dos meninos e meninas de todas
as idades.
Ronald
Claver
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